LOCALIZAÇÃO | Deste tempos remotos e, até ao início do século XX, o concelho de Almada foi marcado pela disponibilidade de recursos naturais e estruturação da paisagem em torno de inúmeras explorações agrícolas, das quais se destacavam, pela dimensão e complexidade – as quintas.
A localização estratégica, entre o Tejo e o Oceano Atlântico permitiu ainda tirar partido do microclima de excelência, para a exploração dos solos, mas também para implantação de vários portos que proporcionaram a fixação da atividade piscatória, extração de sal e consequente desenvolvimento da atividade comercial. Esta última terá contribuído positivamente para o desenvolvimento deste território em sintonia com as dinâmicas da capital – Lisboa – passando a funcionar como imprescindível interposto entre a vertente urbana (Norte) e o mundo rural (Sul).
ESTRATÉGIA E IMPLANTAÇÃO | A área de intervenção prevista para o presente concurso localiza-se em terrenos pertencentes ao IHRU e representa atualmente um vazio urbano não tratado que apresenta algumas lacunas no tecido edificado e carência de remates das estruturas construídas que, para as quais será necessário articular de forma integrada várias componentes: habitação, revitalização urbana, coesão social, ambiente, mobilidade, entre outros.
Compreende uma área de 2.830,00 m2, confronta a norte com a Rua das Quintas, a poente e sul com a Rua de Alcaniça e a nascente com o Jardim de São Francisco de Borja. A área de implantação apresenta um declive acentuado entre a Rua das Quintas, a Norte, e a Rua de Alcaniça, que contorna o terreno pelo lado Poente (declive) e Sul (patamar). No interior do quarteirão e, mesmo a partir do ponto mais alto as vistas estão confinadas pelas construções envolventes ao lote.
Como estratégia a proposta recupera através da ideia de “Continuo Natural” algumas das ideias base inspiradas pelo modelo da cidade-jardim, formado por Ebenezer Howard (1850-1928) do final do século XIX - conceito que assentava num equilibro social entre cidade/campo. Esta ideia de valorização dos espaços vazios em ambientes maioritariamente urbanos acaba também por influenciar o trabalho desenvolvido pelos arquitetos do Movimento Moderno Português, como é exemplo o edifício localizado a sul da área de intervenção, na Rua de Alcaniça, projetado pelo arquiteto Bartolomeu da Costa Cabral.
A proposta trata a manutenção e ampliação do espaço verde existente - Jardim de São Francisco de Borja – fazendo coincidir a implantação do presente programa de habitação a custos controlados com a valorização da imagem do bairro através da qualificação do espaço público, melhoria da articulação do tecido urbano e diversificação do tecido social com uma clara aposta na revitalização das relações sociais. A proposta, além de contribuir com a manutenção de um equipamento existente - Jardim de São Francisco de Borja – dignifica-o não só para os novos moradores, mas também para a valorização do bairro.
Com a ampliação do continuo verde promovem-se novos enquadramentos paisagísticos devido ao prolongamento da área de jardim, novos percursos pedonais e zonas de lazer mais seguras que convidam à permanência prolongada no espaço público. E, do mesmo modo, o facto de se concentrar a vegetação no interior do quarteirão e para lá se façam virar parte das fachadas dos apartamentos reduz-se a permeabilidade visual e mitiga-se o efeito visual negativo decorrente da relação com a envolvente.
A ausência de construção neste local, ainda que desperdice área onde poderia existir um serviço ou comércio, equilibra-se com a vantagem que traz à permeabilidade entre os espaços de logradouro e os espaços de habitação, pois é a partir dela que são possíveis os percursos (exclusivamente) pedonais.
ESTACIONAMENTO E ACESSIBILIDADES | Ao nível dos acessos viários e pedonais os dois volumes de habitação permitem o acesso universal, quer à cota alta, a partir da Rua das Quintas, quer á cota baixa pela Rua de Alcaniça, sendo que as fracções acima do piso térreo são acessíveis por escada e elevador a partir da cota de acesso a cada edifício. Resguardando-se das vias principais, o acesso ao estacionamento é realizado ao longo da Rua de Alcaniça, fazendo-se a entrada automóvel entre o corpo do PT existente e o bloco de habitação. A espaço sobrante entre ambos pretende-se arborizado e totalmente permeável com possibilidade de acesso por bicicleta.
O estacionamento desenvolve-se em dois pisos ao longo do bloco norte e num piso a meia cota que articula os restantes ao longo do embasamento do bloco a sul. A ligação entre pisos faz-se através de rampas paralelas com inclinação inferior a 15%. A distribuição justaposta e alternada de pisos em cave permite, para além da otimização construtiva, a libertação da área de logradouro entre blocos de habitação, promovendo a permeabilidade dos solos e a plantação de arvores de grande porte.
ARQUITECTURA | Os novos edifícios desenham-se a partir da relação com a manutenção das áreas permeáveis e abrem-se ao exterior, convidando moradores e visitantes a atravessar o Jardim, praticar atividades de lazer no seu espaço ou simplesmente permanecer para apreciar a paisagem.
A ideia de criar valor a partir do interior do quarteirão, valoriza não só os edifícios a propor como toda a envolvente próxima, com o intuito de ampliar os espaços individuais, tornando-os coletivos, com vista à criação de novas dinâmicas sociais extensíveis a todo o bairro.
Nesse sentido a intervenção inicia-se na Rua de Alcaniça com a criação de uma grande bolsa de estacionamento público, como forma de resolver as situações destruturadas atualmente presentes nos arruamentos confinantes e como forma de dar sentido ao pórtico de acesso ao interior do quarteirão, que delimita o lote sem o encerrar na totalidade. O pórtico surge ladeado pelos dois volumes de habitação que se adaptam ao terreno e que são também interrompidos ao nível do piso térreo em pontos estratégicos. Esta intenção torna possível o atravessamento público do quarteirão também na vertente norte-sul, o que contribui para que se tire o máximo partido dos acessos viários e pedonais que já existem.
A posição norte-sul dos volumes projetados possibilita que o Jardim permaneça abrigado dos ventos dominantes em períodos invernais, sem deixar ainda assim de tirar partido de brisas nos períodos mais quentes e do ensombramento promovido por árvores e fachadas dos volumes propostos.
PROGRAMA | A proposta visou uma solução e resposta eficiente ao programa preliminar - Habitação a Custos Controlados, destinada a arrendamento acessível - com clareza e funcionalidade suficiente para que seja possível a articulação dos vários espaços, interiores e exteriores. As habitações projetadas apresentam tipologias que variam entre o T1 e o T2, arquitetonicamente desenhadas e distribuídas por dois volumes paralelos às principais vias, tornando-se parte integrante da geometria urbana presente no local. A orientação solar dos fogos, é maioritariamente Norte-Sul, no entanto a presença do jardim no interior do lote faz com que essas diferenças não sejam tão sentidas devido ao grande distanciamento entre volumes, que permite a insolação durante grande parte do ano.
A solução de organização dos fogos procurou atender ao atual standard de habitação corrente e atender ao limite de áreas por fogo determinado pelos normativos sobre Habitação a Custos Controlados. Atendendo à localização do lote, às características topografias e às premissas que nortearam a proposta desde o primeiro momento foi possível garantir nas frações maiores a exposição dupla, favorável (sul) e desfavorável (norte), e ventilação natural na maioria dos espaços.
ORGANIZAÇÃO INTERNA | Procurou-se também definir de forma clara a hierarquização e articulação dos espaços comuns e privados dentro do edifício bem como uma sistematização adequada das tipologias, existindo uma clara distinção entre as áreas públicas (sala, cozinha e arrumos) e privadas da casa (quartos e instalação sanitária). Permitiu-se ainda a flexibilidade das tipologias propostas, tendo em conta o horizonte de vida do edifício, existindo a possibilidade de reversão ou ampliação de alguns espaços. Dada a existência de kitchenettes, será sempre uma possibilidade do seu encerramento numa cozinha tradicional, incluindo área mínima e fenestração adequada.
A racionalização dos espaços de circulação presentes no interior do edifício foi uma constante em toda a proposta, o que levou a que no interior dos apartamentos fossem eliminadas as possíveis áreas de corredor, funcionando todos os espaços da habitação com um programa distinto que não apenas o de circulação.
As circulações internas segregam as áreas de vivência comum no fogo, prolongadas para as varandas que se relacionam diretamente com o espaço público e/ou com os espaços verdes do interior do quarteirão.
A organização interna do programa e consequente desenho das fachadas proporciona a anulação do conceito de “traseira” e as varandas corridas só são interrompidas por grelhas de cobogós nas zonas de serviço e até nas fachadas nascente e poente se criam entradas de luz com o mesmo sistema para melhor controlo da incidência solar em espaços da habitação mais privados, sem que seja necessário prejudicar o ritmo do desenho das fachadas.